Escrito por: Expedito Solaney, secretário nacional de Políticas Sociais da CUT
20/03/2012
O Brasil vai enfrentar em 2012 uma decisão fundamental para as próximas gerações: vamos nos orgulhar do futuro ou nos envergonhar do passado. Nas duas vezes anteriores em que enfrentou dilema semelhante, o país escolheu a alternativa errada. A primeira, quando queimou os registros da escravidão para esconder a infâmia; depois, ao deixar impunes assassinos e torturadores do Estado Novo.
Agora, com a Comissão Nacional da Verdade, que deverá apurar os crimes da ditadura, teremos outra chance de escolher se nos apresentaremos diante do mundo como país que merece respeito, porque respeita seus cidadãos, ou vamos mais uma vez acobertar criminosos em nome da reconciliação nacional.
A Central Única dos Trabalhadores já tomou sua posição: em dezembro passado a Direção Nacional reafirmou a exigência de apuração dos crimes da ditadura,
· Para indicar os crimes cometidos, seus autores, cúmplices e beneficiários;
· Para que se diga às famílias de suas vítimas o que aconteceu com seus filhos;
· Para que se faça a reparação por esses crimes;
· Para que se punam os culpados.
A Lei 12528, de 18 de novembro de 2011, que criou a Comissão, tem seus vícios de origem, para falar no linguajar jurídico. Lutamos, fomos ao Congresso, criamos os comitês estaduais, apresentamos propostas para que o texto não fosse o da Comissão da Verdade “possível” – ou “permitida”.
O maior vexame, porém, ficou para o ato de sanção da lei, quando o Palácio do Planalto convidou Vera Paiva, filha do ex-deputado e desaparecido político Rubens Paiva, para discursar como representante das vítimas. Mas Vera Paiva não pode falar, porque os militares não permitiram.
Apesar de tudo isso, e ainda com o desejo de colaborar com o governo a fim de que se instale a comissão e comece imediatamente seus trabalhos, a CUT - como membro fundadora do comitê paulista - apoiou 15 nomes oferecidos à presidenta Dilma, entre eles o meu, como representante da Central no comitê, bem como pela militância na área dos direitos humanos, para compor a Comissão Nacional da Verdade. A indicação me orgulha pelo empenho da classe trabalhadora, em especial da CUT, na apuração desses crimes.
Até porque fomos nós, trabalhadores, as principais vítimas. Foram contra nós as primeiras medidas ditatoriais: intervenções nos sindicatos, prisão de lideranças, assassinatos, perseguições, exílios políticos, arrocho salarial, fim do direito de greve e perda de direitos, como a estabilidade. E foram contra nós, trabalhadores, suas últimas ameaças, quando os helicópteros sobrevoavam Vila Euclides com soldados apontando metralhadoras contra os operários.
Esse reencontro do Brasil com sua história será, inevitavelmente, doloroso, mas, como um parto, indispensável para o futuro. Lastreado no crescimento que nos elevou à sexta economia mundial e na redução das desigualdades devido ao aumento do emprego e dos programas sociais nos últimos nove anos, o Brasil busca se inserir cada vez mais nos organismos internacionais. O objetivo estratégico do Estado brasileiro é um assento no Conselho de Segurança da ONU.
Seja pelas conquistas na economia. seja pelo sucesso de sua política externa, é quase inevitável que isso venha a acontecer. Para tanto, porém, avisam tanto a OEA (Organização dos Estados Americanos), quanto a ONU (Organização das Nações Unidas), o Brasil terá de se inserir no ordenamento jurídico internacional. E, para isso, precisará revogar a lei de anistia de 1979, apurar e julgar os autores dos crimes da ditadura, patrocinados pelos Estados Unidos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, já sentenciou o Brasil a apurar e punir os crimes cometidos pelos militares na repressão à Guerrilha do Araguaia e a alta comissária da ONU para os direitos humanos, Navi Pillay, avisou que a ONU também não aceita a lei de anistia que os militares se auto-concederam. Por enquanto, o Estado brasileiro nada fez para cumprir a sentença e finge ignorar os avisos da comunidade internacional.
Os preços dessas leniências históricas costumam ser altos. O da escravidão foi o pau-de-arara; o do Estado Novo, a máquina de choque, hoje presentes em praticamente qualquer delegacia do país. E já estamos pagando, no varejo e no atacado, os preços da leniência com a ditadura. No varejo, são os grupos de extermínio, herdeiros dos métodos da repressão política. No atacado, com as milícias, melhor tradução do que foram os serviços de informações e segurança do regime militar: a mistura da repressão com o crime organizado.
Por tudo isso, não é mais admitido errar, nem esperar, como dizia o poeta “quem espera nunca alcança”. O Clube Militar do Rio, insubordinadamente, se mobiliza contra a instalação da Comissão. Não há por que esperar a lei, já aprovada nas duas casas legislativas. Agora é instalar a Comissão com sua necessária autonomia para trabalhar e fortalecer a democracia, com a qual nos orgulharemos do presente e do futuro.